Tempo, contemplação, rizomas e revolução
Vamos começar com o elefante branco: que diacho é Rizoma, Nariz oma, NaRizoma…
É essa imagem. Tudo que está fora do nosso olhar. Essa comunicação que acontece, essas ligações que se formam, que encontram caminhos, que abrem espaços, que passam informações, se nutrem, alimentam e fazem brotar. Essa rede que se apoia abaixo da terra, ou no backstage e que prepara o terreno para dar frutos e para irromper pela superfície. É muito bom esse nome, fala sério. Dito isso, saibam que a interlocutora deste post é uma sonhadora… privilegiada - e vou explicar.
Acabo de me formar atriz. Pós-Bolsonaro, pó- pandemia, pós-mundo líquido - quiçá arrisco nomear como um tempo vaporoso. Em que o real já não importa tanto quanto a percepção e a narrativa que viraliza. A realidade perdeu sua densidade e não conseguimos nos apegar a quase nada. O like do outro, a visualização do outro, é o que nos sustenta - até sermos doomscrolled* para fora da tela, para a obsolescência e insignificância.
E agora sou atriz. Alguém que exige que o público saia de casa para dedicar 100 minutos, sem celular, sem hits de dopamina, sem possibilidade de gravar stories para provar quão coolto é. E eu comecei dizendo que sou sonhadora. Mas não me formei sozinha. Me formei com mais nove, só na minha turma. Professores com quarenta anos de maestria, acreditando que o trabalho de formação de atores é um serviço sério. As pessoas mais inteligentes, sensíveis, políticas estão nesse movimento, acreditando que dali brotarão as sementes que eles ajudaram a regar.
Tempo e os Conways - JB Priestly
E no final desse último semestre, apresentamos uma peça chamada “O Tempo e os Conways", do britânico JB Priestly. São três atos, um se passa em 1919 (pós primeira guerra mundial), outro em 1938 (pré segunda guerra) e o terceiro é a continuação do primeiro, ainda em 1919. Acompanha uma família animadíssima com o final de uma guerra que devastou a Europa, feliz com toda a possibilidade que os espera. 19 anos depois, a mesma família está em ruína afetiva. 19 anos que deixou cada um amargurado de sua maneira. E depois que o público tem a chance de ver o que o Tempo fez com eles, o terceiro ato continua a festa do primeiro, em que cada personagem projeta toda a esperança que tem pelo futuro. Desta vez, o público já sabe o destino que os espera. E que cada voto de esperança vai ser esmagado pelo “demônio chamado Tempo".
E aí, tem um aprendizado muito valioso que vem com essa minha jornada para me tornar atriz… anotem: Cultivar a inocência de criança, a vulnerabilidade, a imaginação e a concentração. Entender as circunstâncias e jogar com o outro. Jogar com o outro. Jogar com o outro. Isso não significa ensimesmar, ou como diz nossa professora Simoni Boer, não adianta fazer lindas embaixadinhas numa partida de futebol. Tem que jogar com o outro para contar a história e fazer o gol.
Eis que somos os privilegiados, agora, em termos um espaço como NaRizoma, em que a gente convoca uma revolução de presença nesse tempo vaporoso. Em que, em meio à neblina da imagem, construímos fundações, fincamos raízes e produzimos arte… juntos.
O senso de coletividade é o elefante** branco nessa sociedade de alicerces superficiais. E essa manada carrega a força ancestral, os passos firmes no chão e a memória coletiva. Está pronta para derrubar as muralhas do isolamento, da reificação — e liderar, com arte e presença, um novo ciclo possível.
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*doomscrolling: ato de rolar infinitamente o feed de notícias, redes sociais ou conteúdos negativos, ansiosamente, mesmo que isso te faça mal.
**Eban + Eban nkyinkyim: Na simbologia Adinkra, o elefante representa força, memória e liderança — o que, aqui, renascemos como manada criativa.