3 dias sem wi-fi
Mas tinha 4G.
Meu detox não foi tão radical quanto precisava ser — mas foi o suficiente para começar e terminar um romance.
O suficiente para acompanhar a movimentação de um casal de passarinhos que tomava conta de um ninho na porta da cozinha.
Uma brecha para eu repensar a forma como me automatizei diante de um tempo frenético, que vou cunhar de: tempo do scroll.
Essa fatia de tempo — que deve durar em média de 5 a 8 segundos — virou o metrônomo de como ajo no dia a dia.
Levanto da cama, vou ao banheiro, ponho a pasta na escova, olho no espelho, saio para colocar água para ferver, encho o filtro de barro, abro as janelas, volto para cuspir a pasta, lavo o rosto, troco a água dos cachorros, coloco o café pra ser coado, desligo o fogão, passo o café, tiro as frutas da geladeira…
e por aí vai.
Nenhuma atividade durando mais de 5 a 8 segundos.
E isso é desesperador.
Nada mais tem seu tempo próprio.
Como encaixar o processo de criação nessa rotina implacável?
Quantos de nós já nos acostumamos a passar o dia atomizando a atenção, vivendo nessa rarefação?
Em que momento cabe pensar na alma, na vida, no que se refere a algo mais substancial da existência?
No meu caso, até isso encaixei no scroll: seguindo páginas com drops de conteúdo espiritual, missão de vida, conexão divina.
Recebendo a dose de dopamina ideal, friamente calculada por algoritmos, acreditei que estava no lugar certo, me nutrindo do que é esperado de uma pessoa contemporânea.
Mas puta que la merda, não?
O tempo da criação vai contra a corrente.
E estamos numa situação paradoxal: o artista precisa tempo-espaço para criar e desenvolver sua arte, mas parece que dependemos das plataformas e redes sociais para colocá-la no mundo.
E não basta postar e voltar a criar —
precisa entender como postar, achar seu público, criar estratégias de inserção nessa impiedosa máquina de moer atenção.
Precisa se manter relevante.
Precisa criar conteúdo — não mais artístico… de marketing.
Precisa tornar-se inesquecível, reconhecível… e fazer isso em menos de 5 segundos, toda vez.
[Longo suspiro. Pausa para fazer carinho no cachorro.]
Estamos numa crise de atenção.
Crise de aprofundamento.
Ouso dizer: crise de conflito (fui longe demais?).
Ingredientes que colocam a arte em crise.
Não temos — ou não separamos — tempo suficiente para a generosidade.
E isso significa que a conexão verdadeira não está acontecendo.
Os DMs, os likes, os coraçõezinhos reagindo a stories…
não estão apenas nos iludindo de que laços estão sendo nutridos com nossos ‘seguidores’ (termo que virou sinônimo de amigo — o que, por si só, já é problemático).
Tão — ou mais — grave é que estamos perdendo o vínculo com nós mesmos.
Fazer arte é cavar esse espaço.
É liberar o acesso do que vem de dentro, pra se conectar com o que está fora.
As ferramentas insta/snap/tiktok não dão conta da enormidade disso.
A arte tenta.
A arte é uma espécie de namastê, em que o íntimo em mim encontra e reconhece o íntimo em você.
E isso te coloca no mundo com potência.
E, conforme a gente se embrenha nessa rizoma artística, as coisas dentro de nós se movimentam…
e também querem brotar, pra encontrar outros íntimos por aí — e juntos, desenvolver.
Não tenho muito mais o que falar sobre isso.
Já te parabenizo por ter passado mais de 8 segundos nesse post.
E deixo o convite: exercitar a generosidade consigo e com os outros.
Reconhecer o que tem aí dentro.
E fazer algo com isso.